A importância de metodologias ágeis para a Indústria 4.0
As três primeiras revoluções industriais trouxeram a produção em massa, as linhas de montagem, a eletricidade e a tecnologia da informação, elevando a renda dos trabalhadores e fazendo da competição tecnológica o cerne do desenvolvimento econômico. A quarta revolução industrial (Indústria 4.0) terá um impacto mais profundo e exponencial, se caracterizando, por um conjunto de tecnologias e práticas que permitem a fusão do mundo físico, digital e biológico.
Os impactos da Indústria 4.0 sobre a produtividade, a redução de custos, o controle sobre o processo produtivo, a customização da produção, dentre outros, apontam para uma transformação profunda nas plantas fabris. Segundo levantamento da ABDI, a estimativa anual de redução de custos industriais no Brasil, a partir da migração da indústria para o conceito 4.0, será de, no mínimo, R$73 bilhões/ano.
Porém, segundo relatório do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços , há grandes desafios para a economia brasileira, em especial para a indústria, que enfrentou adversidades recentemente. A Indústria representa hoje menos de 10% do PIB e o Brasil ocupa a 69ª colocação no Índice Global de Inovação. Entre 2006-2016 a produtividade da industria no Brasil caiu mais de 7% e no Índice Global de Competitividade da Manufatura, o Brasil caiu da 5º posição em 2010 para a 29º posição.
Dessa forma, nesse cenário recente de crise e cada vez mais complexo (com mais variáveis e maior distância na relação entre causa e efeito), as indústrias terão dificuldade e deverão estar preparadas para otimizar e direcionar de forma inteligente os seus recursos para essa transformação. Nesse sentido, a gestão de projetos seguindo o ciclo de vida ágil pode e deve ser uma abordagem para dispormos as pessoas, os processos e a tecnologia de forma mais rápida e, principalmente, reduzindo os custos.
Os métodos ágeis são uma alternativa à gestão tradicional de projetos, e nasceram nos braços do desenvolvimento de software, mas hoje podem ser aplicados a qualquer tipo de projeto (inclusive os que não remetem ao desenvolvimento de software). Empresas ágeis podem aumentar dramaticamente a produtividade e encurtar os ciclos de entrega, melhorando a qualidade.
Dessa forma, esses dois movimentos são sinérgicos: a transformação da Indústria 4.0 vai muito além de software e hardware, passando pela construção da estratégia, processos, metodologias, indicadores e a mudança de mentalidade que diz respeito principalmente à gestão de projetos que podem (e devem) seguir um ciclo ágil. Entregas em períodos mais curtos, em última instância, reduzem custos pois reduzem o custo da falha e geram encurtamento da curva de aprendizado. Também tornam a empresa mais versátil na sua escolhas estratégicas.
Cada vez mais as empresas tenderão a ofertar serviços e experiências de forma complementar aos seus produtos. Esses desenvolvimentos, protótipos e a validação de novos modelo de negócios devem ser ágeis. Internamente, irão cada vez mais gerenciar informações e dados em comparação aos componentes e peças na produção. O uso dessas informações para tomada de decisão também deve ser ágil. A escolha da digitalização e automatização que passa pela Indústria 4.0 também deve ser ágil, considerando a escalabilidade do negócio, vantagem competitiva e a condição de mercado.
No que tange a indústria automotiva, temos que olhar o retrospecto recente. Durante os cinco anos de sua vigência, o Inovar-Auto, programa governamental de estímulo ao aumento da competitividade do setor automotivo, trouxe uma evolução nos produtos manufaturados no Brasil, principalmente em relação à eficiência energética. O mercado foi invadido por novos modelos, com motores de pequena cilindrada e apenas três cilindros, além de outras tecnologias que contribuíram para a redução do consumo de combustível e emissão de poluentes. Entretanto, houve pouco avanço em termos de segurança veicular e principalmente modernização do parque industrial. Como o programa não impôs metas claras para esses investimentos, como os de eficiência energética, que motivassem o desenvolvimento de inovações tecnológicas para essas áreas, os avanços foram abaixo do esperado.
Agora, com a aprovação em 2018 da Rota 2030, o novo programa incentivará, além da produção de veículos mais eficientes e seguros, a implantação Indústria 4.0. Essa pode ser considerada uma ação fundamental para tornar as indústrias do setor automotivo aqui instaladas, fornecedoras globais. Um estudo conduzido pelo Instituto de Transformação Digital da Capgemini, estima que um fabricante automotivo poderia atingir uma melhoria de cerca de 40% na sua margem operacional por meio de melhores custos de logística e material, eficácia do equipamento e de qualidade de produção.
Para o segmento automotivo o uso da Indústria 4.0 contribui diretamente para o aumento da qualidade e redução de custos, porém, como no restante da indústria, a idade do nosso parque fabril, infraestrutura pública deficitária e crescente insegurança cibernética desencorajam investimentos nesta área. Portanto, acredita-se que o Rota 2030 acelere a definição de uma agenda política baseada nos modelos mais avançados, com a criação de instrumentos de financiamento condizentes. O apoio a programas estruturantes para a formação de pessoas e criação de novos negócios também é imprescindível, seja no âmbito nacional, bem como através do intercâmbio técnico-científico. Sem estes estímulos, dificilmente a cadeia automotiva brasileira se conectará ao futuro da mobilidade e manufatura.
Sob essa ótica de necessidade de adaptação e inovação podemos pegar como exemplo o processo de desenvolvimento de produtos, o APQP – sigla para o termo em inglês Advanced Product Quality Planning ou Planejamento Avançado da Qualidade do Produto desenvolvido e padronizado pela AIAG (Automotive Industry Action Group). Aos que não se recordam, o APQP foi desenvolvido no final da década de 1980 por um grupo de experts das três indústrias automobilísticas maiores à época: Ford, General Motors e Chrysler. Ou seja, as bases da metodologia remontam quase 40 anos.
Sem considerar as particularidades e atualizações de cada montadora e tão pouco o sucesso e a robustez dessa abordagem convencional, os métodos ágeis e as práticas de Design Thinking tem muito a contribuir para desenvolvimentos mais eficientes e baratos. Essas iniciativas estão, na maioria das empresas do segmento automotivo, focadas somente nos laboratórios de P&D para construção de protótipos.
A área de P&D é a força vital do sucesso de uma empresa e é, antes de mais nada, um processo de inovação. Hoje, os ciclos de vida dos produtos estão diminuindo devido ao aumento do número de produtos competitivos e disruptivos chegando ao mercado mais rapidamente. Para permanecer no negócio, as áresa de P&D precisam se tornar mais eficiente, mais eficaz e mais rápido. Empresas como a Tesla e Bosch já desenvolveram e aplicam o processo de Agile APQP que está mudando a forma como P&D está sendo feita para fornecer os requisitos tradicionais do PPAP e as necessidades dos clientes de forma mais rápida e eficaz do que os métodos tradicionais.
O Agile APQP incorpora os principais elementos do desenvolvimento de produtos ágeis em uma nova abordagem . O chamado P&D ágil permite que as empresas de tecnologia projetem, testem e lancem produtos com mais rapidez e eficiência do que os métodos tradicionais de cascata.
Além do desenvolvimento de software e de protótipos em P&D, os métodos ágeis podem levar a uma visão ainda mais abrangente, o Desenvolvimento Automotivo Adaptativo. Em mercados com alto nível de insegurança e dinamismo, métodos que facilitam a adaptação à mudança de condições tem uma vantagem decisiva para garantir um sucesso duradouro. Essa abordagem, essencial para os desafios atuais, possui quatro pilares:
- Validação rápida no mercado
Novos conceitos de produtos são rapidamente testados no mercado real ou em um mercado de teste. Essa abordagem vai muito além de realizar estudos e a validação de protótipos não-renováveis.
- Produtos flexíveis
Produtos que podem ser adaptados às necessidades do cliente, idealmente pelos próprios clientes. Essa receita de sucesso ajudou os smartphones a vencer os celulares tradicionais.
- Processos flexíveis
Processos e métodos podem ser alterados ou substituídos sem atrasos significativos e ferramentas necessárias rapidamente fornecidas. Desvios de processos são possíveis para tentar coisas novas. Dependendo das demandas, soluções mais conhecidas podem ser combinadas ou um nova solução pode ser encontrada.
- Organização flexível
Unidades organizacionais pequenas, autogeridas e bastante interconectadas podem ser rapidamente reorganizadas. Cada unidade específica cria uma cultura que melhor se adapta aos seus funcionários e as tarefas de cada grupo podem e devem ser construídas com base na autonomia e senso de progresso para aumento da produtividade.
Dessa forma, a integração dessas abordagens que são diferentes em essência mas possuem o mesmo objetivo final, gerar ganhos, são sinérgicas. Conduzir uma transformação digital pela Indústria 4.0 passa também pelos métodos, pessoas e forma de gestão de projetos. Pensar esse último da forma convencional, e não ágil é um grande risco para os negócios. Assim, pensar ágil encurta as entregas e o valor gerado para o negócio.